Uma polêmica lei na Califórnia que pune internautas por criar perfil falso na internet, e que entrou em vigor no dia 1º de janeiro, levantou novamente discussão entre advogados criminalistas brasileiros sobre a necessidade de castigar autores desse tipo de conduta.
Para especialistas, o Brasil deve seguir o exemplo do Estado norte-americano - mesmo que o teor da lei seja diferente do texto californiano - e atualizar o Código Penal para contemplar certas ações que hoje não estão previstas. São raros os processos relativos à identidade falsa na internet terminar em cadeia para o infrator atualmente no país.
O advogado David Rechulski, especialista em direito penal empresarial, diz que, "às vezes, há certas particularidades que o Código Penal não prevê".
– Acho importante uma releitura no Código Penal e contemplar com as condutas de crimes praticados por meios eletrônicos.
Grande parte dos maus comportamentos na web podem ser enquadrados no atual Código Penal, que é de 1940. Quem faz perfil falso na internet para causar dano a outra pessoa ou obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, pode hoje responder pelo artigo 307. Mas dificilmente um caso desse vai resultar em cadeia para o infrator, limitando-se a ser punido na esfera civil - multa e indenização.
Vítima
É o caso da publicitária Priscila Sobral, de 34 anos, vítima de difamações por parte da namorada do ex-marido. Segundo Priscila, um perfil falso no site de relacionamentos Orkut foi criado para ofendê-la. Se passando pela publicitária, alguém postou mensagens com informações sigilosas da empresa em que a vítima trabalhava. Além disso, cadastrou Priscila em sites pornográficos e colocou o e-mail profissional dela para os homens visitantes da página entrarem em contato.
– Hoje só uso a internet para trabalho. Não estou em sites de relacionamento nem quero que meus filhos estejam. Peguei aversão.
Depois de dois anos de batalha judicial, a infratora foi condenada a um ano de serviços prestados à comunidade. Na esfera civil, ela ainda aguarda uma indenização.
De acordo com Rechulski, para certos casos nem sempre a esfera civil é suficiente para reparar o dano, tendo em vista o caráter dinâmico da internet.
– As máculas para a vida e reputação das vítimas que advenham de tais práticas muito dificilmente encontrarão compensação tão somente na reparação civil, merecendo um tratamento mais gravoso, próprio do Direito Penal.
O criminalista Maurício Silva Leite vai na mesma linha de Rechulski. Ele defende a criação de uma figura agravada para internet, por causa do poder de disseminação da rede mundial.
– Essa injúria fica acessível a muito mais gente. Dependendo do tempo que isso fica no ar, aquela difamação pode ser tirada após uma semana, mas seu dano é irreversível, porque outras pessoas podem armazenar as ofensas no desktop e depois enviar por e-mail.
Desequilíbrio
No entanto, em uma eventual revisão da legislação, Silva Leite fala em escolha criteriosa dos comportamentos que podem ser tipificados como crime. O receio dele é a "criação desenfreada de condutas penais", englobando inclusive "infrações de menor potencial ofensivo".
Ele teme que a punição para uma certa conduta na internet tipificada como crime seja igual ou até maior do que crimes de maior gravidade, causando distorções na legislação brasileira.
Meu receio é criar leis de crime na internet com pena de um a três anos, por exemplo. Então vemos que existe a mesma pena para lesão corporal no Código Penal, que é uma infração muito mais grave. Isso desequilibra o sistema.
De acordo com Renato Opice Blum, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, muitas das ocorrências são apenas resultantes de brincadeiras de conhecidos das vítimas. Porém, uma lei específica, como tem agora a Califórnia - que prevê multa de até R$ 1.700 (US$ 1 mil) ou um ano de prisão -, pode sim inibir novos casos, que, segundo ele, têm crescido no país.
Denúncias formuladas em delegacias, à Polícia Federal por e-mail específico (denuncia@dpf.gov.br), ao Comitê Gestor da Internet no Brasil e a sites de denúncias já somavam 1 milhão em 2008. Opice Blum diz que "uma lei específica ajudaria a enquadrar, no Brasil, essa conduta num crime único". Dependendo do caso, o autor do perfil falso pode ser enquadrado em crimes como calúnia, difamação e falsidade ideológica.
Para o especialista, a lei californiana também é polêmica porque confronta com a Emenda número 1 da Constituição dos Estados Unidos, que garante liberdade de expressão. Mas ele diz acreditar que esse direito tem que ter certos limites.
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